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Sucessão trabalhista em operações de fusões e aquisições



Os processos de fusões e de aquisições são extremamente complexos e detalhistas, os quais devem observar diversos requisitos legais. Um aspecto extremamente relevante, mas que não raro é negligenciado pelas empresas em processos de fusões e aquisições, é o instituto da sucessão trabalhista.


A doutrina trabalhista clássica afirma a existência de dois requisitos essenciais para a ocorrência da sucessão trabalhista: a) a transferência de titularidade da unidade econômico-jurídica; e b) a continuidade na prestação dos serviços pela sucessora.

Jorge Neto e Cavalcante (2019) lecionam a respeito do primeiro requisito:


"Quando se fala em unidade econômico-jurídica, o que se deve ter em mira é a transferência de uma universalidade, a qual pode incluir a empresa como um todo ou alguns de seus estabelecimentos específicos, tais como agências ou filiais" [1].


Delgado (2017) concorda com a existência do segundo requisito, mas ressalta que a doutrina evoluiu no sentido de não mais defender a imprescindibilidade deste requisito para a ocorrência da sucessão trabalhista:


"O segundo requisito proposto pela vertente tradicional ao tipo legal da sucessão trabalhista é a continuidade da prestação laborativa pelo obreiro ao novo titular (ilustrativamente, transfere-se a agência para outro banco, mantendo-se os bancários em seus antigos postos de trabalho).

Tal requisito, esclareça-se, mantém-se importante para o exame de inúmeras situações fático-jurídicas concretas — embora não se possa mais sustentar seja ele imprescindível à existência do instituto sucessório trabalhista" [2].


A Orientação Jurisprudencial nº 261 da SDI-1/TST, ao falar das instituições financeiras, consagra a tese de dispensa do requisito de continuidade na prestação dos serviços pela sucessora na análise da ocorrência da sucessão trabalhista.


A análise da sucessão trabalhista deve considerar os princípios da continuidade do contrato de trabalho, da despersonalização do empregador e da impossibilidade de alterações contratuais lesivas ao empregado.


Magalhães (2018) explicita tais princípios:

"Pelo princípio da continuidade, tem-se que o contrato de trabalho tende a se perpetuar no tempo, diante da sua função social de garantir o sustento do trabalhador e de sua família. Assim, as contratações por tempo determinado não são a regra, mas sim a exceção. No âmbito da sucessão, o referido princípio determina que os contratos tendem a continuar, a despeito das alterações promovidas no âmbito da empresa, a exemplo de mudança de sócios, alteração na estrutura jurídica ou até mesmo transferência do estabelecimento. O princípio da despersonalização do empregador parte da noção de que o contrato de trabalho só é personalíssimo quanto ao empregado, tanto assim que a lei exige, para configuração do vínculo de emprego, o requisito da pessoalidade na prestação de serviços. Tal requisito não se aplica ao empregador, salvo raras exceções, sendo regra que a alteração do empregador não interfere na subsistência do contrato de trabalho.

Por fim, o princípio da intangibilidade contratual objetiva, que é um aspecto da inalterabilidade contratual prevista no artigo 468 da CLT, determina a prevalência dos aspectos objetivos do contrato (cláusulas), mesmo diante de alterações subjetivas, ou seja, mudança da pessoa jurídica que se encontra no comando da empresa" [3].


É certo que a sucessão trabalhista está atualmente regulamentada nos artigos 10, 10-A, 448 e 448-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Antes da denominada reforma trabalhista, a legislação celetária somente dispunha a respeito da sucessão trabalhista por meio dos artigos 10 e 448, que objetivavam, de forma genérica, resguardar os direitos trabalhistas dos empregados no caso de sucessão.


A Lei 13.467/2017 inovou ao incluir na CLT os artigos 10-A e 448-A. Costa (2017) explica a importância da inclusão do artigo 10-A à CLT:

"Logo, pode-se concluir que o novo ordenamento estabelece três patamares de dívidas e responsabilidade, em circunstâncias de alteração do quadro societário. Em primeiro lugar, tem-se a empresa, devedora, que possui dívida e responsabilidade pelo adimplemento dos créditos. Em segundo lugar, o sócio atual da pessoa jurídica, que não contraiu a dívida, mas possui responsabilidade. Por fim, o sócio retirante, que não possui dívida, mas detém responsabilidade subsidiária – secundária – e limitada ao período de dois anos" [4].


A respeito do artigo 448-A da CLT, Magalhães (2018) aduz que:

"Inicialmente, a lei nova previu, em caso de sucessão empresarial, a responsabilidade da empresa sucessora, não apenas quanto às obrigações trabalhistas posteriores à sucessão, mas também em relação aos débitos antigos.

Neste ponto, o legislador reformista assimilou a tese consagrada na Orientação Jurisprudencial º 261 da SDI-1 do TST, baseada na noção de que a aquisição do estabelecimento empresarial teria o efeito de transferir não só os ativos, mas também todo o passivo trabalhista.

Em relação à empresa sucedida, via de regra estará ela isenta de qualquer responsabilidade, se licitamente transferiu o estabelecimento, despojando-se dos ativos e também dos passivos da empresa.

No entanto, quando a sucessão opera-se de forma fraudulenta, previu a lei a responsabilização solidária entre as empresas envolvidas, de modo que ambas podem responder pelos débitos oriundos dos contratos de trabalho firmados em período anterior à sucessão" [5].


Aliás, sobre o tema, impende destacar o disposto na OJ 411 da SDI-1/TST, sendo também relevante mencionar o artigo 855-A da CLT, que consagra a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica no processo do trabalho.


O estudo da sucessão trabalhista revela a importância da análise prévia da situação da empresa que se pretende adquirir, a fim de minimizar o risco da existência de passivos ocultos à empresa adquirente.


Sales e Alvares (2016) apontam a importância da due diligence prévia ao processo de fusão ou aquisição:


"A fase preliminar da due diligence consiste em investigar a empresa objeto da operação societária a fim de identificar os principais pontos de atenção para o trabalho de verificação de documentos e informações, possibilitando assim a organização de métodos e esforços com vistas à otimização do trabalho. As informações normalmente verificadas nessa fase preliminar são: o objeto social da empresa; as atividades efetivamente exercidas pela empresa; as práticas de mercado relacionadas às atividades constantes do objeto social; a interpretação judicial sobre as principais questões relacionadas a tais atividades e a existência de estabelecimentos em diferentes localidades, bem como o número de empregados vinculados à sociedade-objeto.

A fase de verificação se inicia com a elaboração da lista de questionamentos e solicitação de documentos a serem fornecidos pela sociedade objeto tomando-se em conta a atividade específica que ela realiza, os riscos específicos relacionados com tal atividade e o número de empregados vinculados a essa sociedade. Recebidos os documentos e informações solicitados, passa-se à análise detalhada, o que é realizado por meio do cruzamento das informações fornecidas. Exemplificativamente: recibos de férias comparados com folha de pagamento e cartões de ponto, para verificação de funcionários trabalhando durante as férias; comparação da folha de pagamento com a lista de terceiros, com a finalidade de verificar se algum empregado da sociedade-objeto também consta da lista de prestadores de serviço.

Finalizada a verificação de informações e documentos, passa-se a fase de elaboração do relatório com base nos objetivos específicos da auditoria, sendo mais ou menos detalhado e apresentando sempre que possível uma estimativa de valores" [6].


Nascimento (2011) corrobora esse entendimento:

"Com a utilização desses instrumentos de análise e apuração, é viável checar com mais fidelidade qual a dimensão e o valor de um passivo trabalhista que está sendo herdado em uma fusão ou incorporação, para que essas operações não sejam comprometidas, futuramente, por surpresas desconhecidas à época da celebração desses negócios jurídicos no âmbito comercial. Isso possibilitará uma adequada radiografia jurídica da situação, orientando as decisões que deverão ser tomadas, da maneira mais consciente e segura possível, considerando as diversas variáveis existentes que deverão ser incorporadas ao juízo de viabilidade da operação.

Diante desse cenário, a intensidade e frequência cada vez maior dessas operações societárias na realidade brasileira colocam, em primeiro plano, a importância de auditorias trabalhistas e de processos de due diligence, tanto nos procedimentos de gestão dos recursos humanos quanto nas ações judiciais já existentes. Isso porque, em geral, o passivo não é visível sem um exame acurado da dinâmica das relações de trabalho, tanto no plano individual como no coletivo e da cultura empresarial praticada. Na maior parte das vezes, ainda não chegou a concretizar-se ou manifestar-se em processos judiciais, dificultando a sua percepção e seu dimensionamento" [7].


Concluímos que a correta compreensão a respeito da definição, dos requisitos, dos princípios aplicáveis e da abrangência do instituto da sucessão trabalhista é essencial na análise prévia a ser feita pelas empresas interessadas em fusões e/ou aquisições, por meio do processo denominado due diligence, com o objetivo de minimizar o risco da existência de passivos ocultos que possam dificultar e/ou inviabilizar a continuidade do negócio.


Publicado em: www.conjur.com.br

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