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M&A em tempos de Covid-19



Um grande mentor me ensinou três coisas sobre o mercado de fusões e aquisições (M&A): fazer algo pequeno dá o mesmo trabalho que fazer algo grande; uma transação nunca é simples como pode parecer; todo acordo morre duas ou três vezes antes de ser fechado. Aí vem a Covid-19 trazendo ainda mais incertezas — e nem mesmo os especialistas da área médica conseguem estimar quando a situação será finalmente controlada. Somente o tempo nos dirá quais acordos serão fechados e quais irão naufragar em função da crescente aversão ao risco — ou porque a própria sobrevivência das empresas envolvidas está em jogo. É preciso alto grau de sofisticação e jogo de cintura para operar em um habitat que não é o natural de um advogado de transações. Antes, sair da mesa poderia ser uma estratégia de negociação. Agora, nem mesa há. Uma conferência por vídeo tem o mesmo efeito do olho no olho? O impacto não se limita à fase de negociação. Durante as auditorias financeiras, ou due diligence, os interessados na compra terão mais dificuldade para entender os riscos e efeitos da pandemia nos negócios da empresa alvo. Os vendedores, por sua vez, colocarão todos os esforços para salvar sua operação. Outro fator surpresa refere-se a potenciais linhas de financiamento que podem se tornar indisponíveis, comprometendo a capacidade de compradores levarem as transações adiante. Esse contexto não se aplica a determinados investidores e fundos de private equity que, capitalizados, podem estar diante de grandes oportunidades. Em transações assinadas antes da Covid-19 mas ainda pendentes de fechamento (closing) são previstas discussões associadas à possibilidade de desistência da operação, com base em cláusulas de “efeito material adverso” ou equivalente (isto é, que comportam situações imprevisíveis e extraordinárias a ponto de permitir que a parte desista da transação sem penalidades).


Imagine que você é um CFO de uma empresa adquirida do setor de varejo que já assinou 100% da venda e até o fechamento da operação não pode, em tese, alavancar financeiramente a empresa acima de um determinado patamar, ou vender e liquidar ativos, sob pena de sofrer multa e penalidades. O que você faz? Quebra a obrigação e se sujeita a penalidades ou faz o que tem que fazer para salvar a empresa, empregos e fornecedores? Esse tipo de situação vai demandar muita negociação das partes para ajustes e reequilíbrio dos contratos. Para operações recentemente fechadas, antecipo potenciais discussões associadas a quebras ou incompletudes de declarações e garantias e direitos pós-fechamento. Imagine que você acabou de vender sua empresa, responsabilizando-se pelo passivo trabalhista até a data do fechamento (ocorrido na semana anterior à pandemia) e, de repente, você passa a ter uma avalanche de ações completamente atípicas em virtude da desmobilização da força de trabalho da empresa — que, aliás, nem é mais sua. Quem deve pagar essa conta? O cenário atual ainda gera grandes oportunidades de M&A em bolsa (inclusive associadas a aquisições hostis): de um lado companhias extremamente sub-avaliadas, com bons fundamentos e, de outro lado, investidores capitalizados e sofisticados o suficiente para — na medida do possível — atravessar a tempestade e testar para valer as estratégias de defesa das empresas para não sofrerem uma aquisição hostil (como as poison pills). Concluímos que a roda vai continuar a girar, pois mesmo tempos incertos como o atual geram grandes oportunidades. É um momento interessante e desafiador para o mercado de M&A. Seguimos observando, atuando e aprendendo.


Crédito: Evandro Rodrigues

Daniel Carneiro


Publicado em: istoedinheiro.com.br


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