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Impacto do Covid-19 em fusões e aquisições empresariais



Por cerca de US$ 16 bilhões, no final de novembro de 2019, a LVMH Moët Hennessy Louis Vuitton anunciou o fechamento de um acordo para comprar a rede de joalherias americana Tiffany. Em fevereiro deste ano, o Morgan Stanley anunciou a compra da corretora E*Trade por US$ 13 bilhões. Tal como mencionadas operações, estima-se que atualmente nos Estados Unidos existam cerca de 150 transações significativas de fusões e aquisições (M&A) assinadas, porém aguardando o fechamento, as quais representam mais de meio trilhão de dólares em valor comercial. Assim, como a crise financeira de 2008 pegou diversas operações de surpresa, o destino desses acordos agora foi posto em dúvida pela crise do COVID-19. O mercado de fusões e aquisições, naturalmente, é afetado pelo agravamento do mercado de capitais e da economia real. Vale ressaltar que antes da crise, o número de negócios de fusões e aquisições em todo o mundo já estava em uma ligeira tendência de queda; e é muito provável que essa tendência acelere, pelo menos no curto prazo. Historicamente, a atividade de M&A se correlacionou fortemente com a evolução dos preços e do risco das ações, medida pela volatilidade implícita. De 2000 a 2019, a correlação entre o valor do índice MSCI World e o volume de M&A foi de aproximadamente 80%. Em meio à crescente incerteza, muitos líderes corporativos estão sendo solicitados a tomar decisões estratégicas. Por exemplo, eles devem cancelar uma negociação que está em fase de preparação há muitos meses? Muitas empresas provavelmente adiarão seus planos de aquisição ainda não anunciados, devido, por exemplo, à dificuldade de financiamento e à complexidade da negociação de contratos criada pela crise. Marsh (companhia de operações em corretagem de seguros e gerenciamento de riscos) estima que 25% a 30% das negociações ativas na região do Pacífico foram arquivadas como resultado de preocupações com o COVID-19. Mas, e para as transações que já foram assinadas, porém ainda não efetivadas? Uma área de negociação e alocação de risco que poderia ser ativada neste momento é a provisão de “material adverse change” ou simplesmente, MAC. Uma das principais funções da cláusula MAC é alocar entre o comprador e o vendedor o risco de mudanças negativas no negócio alvo entre a assinatura e o fechamento. Essas são disposições fortemente negociadas, com o comprador geralmente argumentando por uma definição abrangente do que constitui uma mudança adversa relevante (por exemplo, sua condição financeira, capacidade de fechar a transação, as “perspectivas” do alvo etc.) e o vendedor geralmente argumentando por uma lista abrangente de eventos ou circunstâncias — isto é, “exceções MAC” — que não podem ser consideradas causadoras de uma mudança material adversa nos negócios alvo. Uma questão legal crítica que surgiu nos últimos dias é se a pandemia do COVID-19 poderia constituir uma “Mudança Adversa Material” (ou “Efeito Adverso Material”). Se a pandemia do COVID-19 for discutida dentro da definição de MAC, a questão será qual efeito financeiro real pode ser atribuído à pandemia e se ela reflete uma mudança no valor de longo prazo da empresa. É importante ressaltar que esse julgamento pode mudar com o tempo, dependendo dos efeitos sobre a empresa (em comparação com outras em seu setor) à medida que a pandemia continua. Destaca-se que não existe uma definição autônoma de um MAC — é, simplesmente, qualquer que seja a redação que as partes estabelecidas no contrato forneçam. Geralmente, os tribunais interpretam os MACs estritamente com base nas palavras específicas do contrato e não “leem” os conceitos que as partes não previram especificamente. Nos casos em que o contrato contempla uma cláusula MAC, é importante realizar uma análise dos efeitos da pandemia do Covid-19, para saber se os termos e condições da cláusula MAC são aplicáveis ao caso. Com isso, os advogados empresariais de todo o mundo estão passando suas “horas de refúgio” analisando os termos desses acordos em uma busca frenética por uma saída para escapar da transação, ou pelo menos levantar uma renegociação do acordo. Uma vez que estas cláusulas são amplamente negociadas, alguns acordos muito recentes já estão prevendo algumas ocorrências especificamente acerca do COVID-19, como por exemplo a aquisição da E*Trade pelo Morgan Stanley, que foi anunciada em 20 de fevereiro e já após o início da pandemia. No entanto, a maioria das transações assinadas antes da explosão do coronavírus são muito mais amenas em suas cláusulas MAC. Considere, por exemplo, a aquisição pendente de US$ 16 bilhões da Tiffany & Co. pela LVMH, anunciada no final de 2019. Nesse caso, a redação das cláusulas MAC é representativa, não previram a ocorrência da mencionada pandemia. Todavia, as cláusulas da Tiffany & Co. e LVMH apresentam algumas situações que poderiam ser ativadas neste momento. Por exemplo: “Mudanças ou condições que geralmente afetam a indústria da Tiffany;” “Condições econômicas ou políticas gerais em qualquer país onde a Tiffany opera (incluindo a China);” “Mudanças no preço de mercado ou no volume negociado dos títulos ou classificações de crédito da Tiffany;” “Condições geopolíticas, incluindo a eclosão ou escalada de hostilidades, atos de guerra, sabotagem e terrorismo; ou Desastres naturais, incluindo furacão, tornado, inundação, terremoto ou ‘outro desastre natural’”. Ora, conspicuamente ausente no acordo da Tiffany qualquer menção explícita à pandemia global do COVID-19. No entanto, muitos dos itens enumerados nas disposições MAC do acordo podem muito bem ser capturados pelo surto. Após analisar dez acordos de M&A assinados no ano de 2019 nos Estados Unidos, constatei que seis deles nem sequer abordaram um possível surto de pandemia com termos explícitos ou com termos genéricos (como “Ato de Deus” , “Calamidade” ou “Força maior”) que, sem dúvida, teria amplitude e escopo suficientes para serem aplicados ao atual caso. Dos 40% restantes que, sem dúvida, poderiam contemplar o COVID-19, o gatilho geralmente ocorreu por meio de provisões abrangentes (31,6%) — como o acima descrito da Tiffany — e não por uma frase explícita relacionada às pandemias (8,3%). No Brasil, mesmo nos casos em que não haja uma previsão específica, as partes devem considerar a possibilidade de que outros recursos contratuais da lei comum possam estar disponíveis se não houver um MAC. As especificidades devem ser avaliadas caso a caso, considerando os termos contratuais acordados e as particularidades do caso. No entanto, é importante destacar que, mesmo em situações em que um acordo pode silenciar, as partes ainda podem recorrer nos artigos 393 ou 478 do Código Civil Brasileiro. O artigo 393 estabelece o conceito de força maior, que é legalmente definido como um fato necessário que ocorre cujos efeitos são impossíveis de evitar ou impedir. Na ocorrência de um evento de força maior, a lei estabelece que o devedor de uma obrigação não será responsável por quaisquer perdas decorrentes do não cumprimento de uma obrigação, a menos que tenha sido expressamente acordado em contrário. Consequentemente, uma parte pode invocar, sujeito à uma análise caso a caso, um evento de força maior resultante da pandemia global para justificar seu não cumprimento de uma obrigação contratual. Se essa linha de argumentação é ou não justificável ou aplicável a um caso, entende-se que precisará ser avaliada individualmente, mas é importante ter em mente que isso gera uma incerteza adicional nas relações contratuais. Por outro lado, o artigo 478 do Código Civil brasileiro estabelece que, em contratos com execução continuada ou diferida, se uma obrigação se tornar excessivamente onerosa para uma parte, com uma vantagem significativa para a outra, e em vista de eventos extraordinários e imprevisíveis, o devedor da obrigação terá o direito de solicitar a rescisão do contrato, desde que, no entanto, o credor possa evitar a rescisão se oferecer uma revisão equitativa dos termos do contrato. É importante ter em mente que a aplicação desta provisão exige a verificação de duas condições, isto é, que uma parte é afetada substancialmente adversamente por um evento ou circunstância e que a outra parte é substancialmente beneficiada. A ocorrência de uma dessas condições (ônus ou ganho) não satisfaz as condições do artigo e, consequentemente, não aciona esse direito de rescisão legal. Para tais disposições, a interpretação adequada pode depender de tribunais e advogados, se (como esperamos) os compradores começarem a reivindicar direitos de retirada com base em um MAC. Ainda é muito cedo para dizer se é algo momentâneo ou um agitação da indústria a longo prazo. Vimos que, como prática relativamente comum em transações de fusões e aquisições, as cláusulas MAC oferecem a uma parte a possibilidade de rescindir um contrato (com ou sem o pagamento de taxas de rescisão). Outrossim, mesmo quando uma provisão MAC não fornece claramente o direito de rescindir ou não executar, o potencial de ocorrência de um MAC pode criar alavancagem para a renegociação de termos, solicitando uma revisão de preço e / ou indenização em benefício de uma parte na ocorrência de um evento. Neste momento, espera-se que todas as partes de um acordo de fusão ou contrato de financiamento analisem o contrato para determinar se alguma parte tem o direito de rescindir ou não cumprir determinadas obrigações com base nos desenvolvimentos relacionados à pandemia do COVID-19. Considerando essas incertezas, recomenda-se que as partes procurem documentar os impactos da pandemia de Covid-19 no negócio e as ações tomadas para mitigá-las; Revisem cuidadosamente os termos contratuais; E, na medida do possível, tente resolver amigavelmente possíveis disputas, a fim de evitar custos potencialmente adicionados com disputas legais.


Priscilla Peixoto do Amaral.


Publicado em: focus.jor.br

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