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A briga entre empresas que pode mudar jurisprudência em casos de aquisição

Terra Santa Agro e juiz da execução colocam dúvidas sobre conduta do TST em caso que pode se tornar um dos trabalhistas mais caros; processo foi para o CNJ



Um processo movido pelo criador de um sistema de tecnologia contra a empresa que o comprou está chamando a atenção de advogados, especialistas em legislação e em fusões e aquisições, pela que pode criar. Tudo isso por um detalhe em especial: o que poderia ser uma disputa judicial entre comprador e comprado acabou sendo transformado numa das ações trabalhistas mais caras da história do Brasil. A parte acusada é a Terra Santa Agro, empresa que tem ações em bolsa de valores e já foi conhecida como Brasil Ecodiesel.


Mas esse não é único motivo para o caso atrair a atenção. De fato, já não é muito comum que a Justiça do Trabalho ordene, em uma das últimas instâncias, uma empresa a pagar 25 milhões de reais para um único ex-funcionário. Mas a decisão aconteceu no fim do ano passado e trouxe uma série de polêmicas: o juiz que deveria executar a ordem de pagamento percebendo estranhezas no processo, advogados questionando a integridade do Tribunal Superior Trabalho (TST), ministros do tribunal dizendo que a empresa estaria tentando se esquivar do pagamento, e até acórdãos sendo inseridos no sistema da Justiça, sumindo e depois reaparecendo com novo conteúdo. São tanto problemas que o processo foi parar no Conselho Nacional de Justiça (CNJ).


A Terra Santa Agro foi condenada a pagar verbas rescisórias e uma multa por quebra de contrato a um ex-funcionário chamado Marcos Cesar de Moraes. A relação entre as partes começou com um simples negócio de aquisição, quando ele vendeu uma espécie de marketplace de agronegócio para a empresa, há cerca de 15 anos. Pelo acordo, Moraes assumiu uma cláusula de confidencialidade sujeita a multa e paralelamente foi contratado pela empresa como forma de garantir que a tecnologia continuasse operando. Mas ele acabou sendo demitido poucos meses depois e entrou na Justiça trabalhista cobrando a multa do contrato de compra e venda. A Terra Santa Agro já foi conhecida como Brasil Ecodiesel e tinha uma estratégia de usar insumos da agricultura familiar. Mas hoje o biodiesel nem faz mais parte do negócio da companhia, que está focada em produzir commodities agrícolas, em especial, soja, milho e algodão. Dona de um faturamento anual que gira em torno de 1 bilhão de reais, ela vale pouco mais de meio bilhão de reais na bolsa. Entre seus principais acionistas está a Gávea Investimentos.


Uma questão fundamental por trás do processo envolve a Terra Santa empreendendo uma exaustiva tentativa de mostrar à Justiça do Trabalho que a tal multa por quebra do contrato não deveria ser tratada no âmbito na esfera trabalhista, mas sim na Justiça comum. Esta situação tem especial relevância pela possibilidade de estabelecer uma jurisprudência para casos de contratos entre empresários, normalmente detentores de tecnologias inovadoras, que as vendem a grandes investidores e ficam por um tempo como funcionários da empresa compradora. Algo bastante comum, principalmente em momentos de crescimento acelerado do mercado de startups.


Apesar das reclamações da Terra Santa, a Justiça do Trabalho entendeu que o caso estava na corte correta e reconheceu que a empresa tinha que pagar a multa milionária por quebra de contrato. O processo começou na vara do Trabalho de Dourados, no Mato Grosso do Sul, subiu para o Tribunal Regional do Trabalho e chegou ao Tribunal Superior. E, então, transitou em julgado, o que no jargão jurídico quer dizer que a decisão final estava tomada. Foram doze anos de processo.


Mas, na Justiça, nem sempre o jogo termina de vez quando parece que tudo já está resolvido: existe uma possibilidade prevista em lei de uma das partes iniciar uma ação rescisória, com o objetivo de tentar reverter a decisão. É algo tão extraordinário que a parte que quiser tocar o processo precisa depositar em juízo 20% do valor da causa. Se perder a rescisória, perde também o dinheiro, além do gasto com os advogados. Foi, então, no julgamento da ação rescisória proposta pela Terra Santa, surgida já no TST, que toda a nova confusão começou.


o julgamento do caso, o ministro relator na Seção de Direitos Individuais (SDI), Alexandre de Souza Agra Belmonte, em princípio, achou que a empresa estava certa e que o caso deveria ir para a Justiça comum. Ou seja, a indenização milionária morreria e a briga começaria toda novamente. Mas, quando os advogados argumentaram oralmente, o ministro adiou o julgamento. No momento de voltar a julgar, deu ganho de causa a Moraes, defendido na corte pelo advogado Maurício Corrêa da Veiga, filho de um dos ministros da SDI, que se considerou impedido de participar do julgamento.


Assim que o julgamento terminou, a vara de execução em Dourados foi comunicada imediatamente de que o pagamento deveria ser feito a Moraes. Foi uma decisão pouco comum inclusive na jurisprudência do TST, que costuma esperar o trânsito em julgado dos processos para determinar o pagamento. O juiz da execução, Márcio Alexandre da Silva, estava cauteloso com o caso, por conta da grande quantia envolvida. A Terra Santa chegou a propor pagar à vista 19 milhões de reais para Moraes, que era o valor da causa naquele momento, desde que o ex-funcionário arcasse com as despesas dos advogados e abrisse mão do depósito da ação rescisória. Ele não aceitou. O advogado Correa da Veiga disse a VEJA que a empresa ofereceu metade do valor total, mas não especificou valores. Poucos dias depois da oferta da Terra Santa, o valor da causa foi corrigido para 25 milhões. Assim Moraes teria direito aos 25 milhões mais o depósito de 2 milhões da ação rescisória e ainda mais os honorários de advogados.

O juiz ainda tinha mais um motivo para a cautela, conforme ele mesmo explicou em sua decisão: a execução já tinha sido paralisada por três vezes por ministros do TST. E, de repente, vinha uma ordem da secretaria do TST para o pagamento imediato. Por isso, ele foi olhar o acórdão do julgamento no sistema eletrônico da Justiça do Trabalho, no dia 01 de dezembro de 2020, e lá não havia nenhuma determinação de pagamento imediato. Ele, então, pediu explicações ao TST sobre a contradição. “Para surpresa deste magistrado, logo no dia seguinte à decisão que determinou a expedição de ofício ao Exmo. Min. Relator Alexandre de Souza Agra Belmonte, isto é, logo no dia 2.12.2020, o acórdão que já estava no sistema de forma pública (sob ID 6762b1a) foi excluído e, em 3.12.2020, outro foi colocado em seu lugar no ID 6762b1a e isso sem qualquer explicação…. Esse segundo acórdão alterou substancialmente o primeiro… E mais: o segundo acórdão está com data do dia 1o.12.2020 (mesma data do acórdão anterior), mas assinado eletronicamente pelo Exmo. Min. Relator em 3.12.2020”, afirmou o juiz Marcio Alexandre da Silva, da 2ª vara do Trabalho de Dourados, em decisão publicada no dia 4 de dezembro.


Esclarecimentos

O TST explicou que, por causa de um defeito do sistema do Processo Judicial Eletrônico na publicação do acórdão (devido a erro de migração do sistema operacional do TST – Gabinete Eletrônico para o PJe), não constou na parte dispositiva dele a cassação da liminar e a liberação do depósito prévio ao réu da ação rescisória. O caso foi levado ao CNJ pela empresa. O ministro Belmonte explicou ao conselho que a cassação da liminar que impedia a execução e a determinação de pagamento cabia a ele, relator do processo. Não precisava constar de julgamento.


Ao CNJ, no entanto, o secretário de tecnologia da informação do TST, Fabiano de Andrade Lima, deu uma informação extra. “A causa para divergência decorreu do uso da versão anterior do sistema Gabinete Eletrônico, pois esta não permite a alteração ou ajuste de uma minuta de voto após a sua assinatura de visto à pauta e, dessa forma, alterações do voto do relator após a sua disponibilização não são atualizadas.


Como o sistema não carregou as alterações realizadas no voto, a equipe técnica foi acionada, o que resultou na exclusão do primeiro acórdão para que um novo fosse assinado e publicado.”


A ordem de pagamento imediato é um ponto importante porque, segundo diversos advogados trabalhistas ouvidos por VEJA, não é comum na jurisprudência do TST a determinação de pagamento imediato. Normalmente, a cautela dá conta de esperar o trânsito em julgado da questão. Questionado sobre a jurisprudência do tribunal, ou seja, de ações em que foi ordenado o pagamento imediato, o TST enviou dezenas de processos que teoricamente deveriam mostrar que a decisão tomada no caso da Terra Santa é algo comum. Mas a reportagem baixou todos os processos e em nenhum deles foi encontrado esse tipo de determinação. Belmonte chegou a escrever no seu acórdão modificado que a decisão tinha “força de alvará”, ou seja, pagamento imediato da causa. Nos casos enviados pelo próprio TST, no entanto, há até mesmo decisões que dizem que o pagamento em uma ação rescisória só deveria ser feito após o trânsito em julgado da ação. Em tese, uma ação como esta poderia até mesmo ser julgado no Supremo Tribunal Federal. O advogado André Fittipaldi, do escritório TozziniFreire, explica que pode acontecer a ordem de pagamento imediato, mas é muito pouco comum.


O ministro Belmonte explicou ao CNJ que a empresa estava tentando adiar o pagamento de uma ação que já dura 12 anos, inclusive propondo ação rescisória, e por isso justificaria a ordem de pagamento imediato. Em Dourados, o caso está suspenso até sair uma posição do CNJ, que recebeu na última semana as explicações do TST e ainda vai analisar o caso.


Correa da Veiga, advogado de Marcos de Moraes, diz que está confiante do cumprimento da decisão, mas não descarta algum acordo com a empresa para o encerramento definitivo da causa. A Terra Santa Agro informou que irá discutir a decisão em todas as instâncias possíveis e cabíveis, por ter convicção de que um erro judiciário dessa magnitude não pode prosperar, sob pena de enriquecimento ilícito do autor da ação e total descrédito da Justiça do Trabalho.


Publicado em: veja.abril.com.br

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