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Empregadores se unem para cortar gastos com saúde



Os custos com planos de saúde transformaram-se num pesadelo para as empresas. Na maioria delas, representa a segunda maior despesa com pessoal, perdendo apenas para a folha de pagamento. Em alguns casos, até mais.

O descompasso entre aumentos de preços em geral e a chamada inflação médica começou em meados da década passada. Mas tornou-se mais perceptível a partir do controle inflacionário. Os reajustes nos planos de saúde equivalem hoje a duas a três vezes o índice do IPCA, segundo pesquisa feita no ano passado pela Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH) e a Aliança para a saúde populacional (Asap).

Em conversas informais empresários perceberam que tal pressão de custos era comum a todos. Há seis meses, a ABRH e Asap – essa última representante de consultorias especializadas na gestão de saúde – criaram um fórum, que mensalmente reúne executivos para trocar experiências. As mais bem-sucedidas revelam empresas que incluíram a saúde dos empregados nos programas de gestão.

As empresas instaladas no Brasil arcam com dois terços do que se gasta com saúde no país, segundo dados da ABRH e Asap. Elaborada pela união das duas entidades, a pesquisa concluída no segundo semestre de 2017 envolveu 668 empresas que, juntas, têm 1,3 milhão de empregados e 3 milhões de beneficiados, incluindo dependentes. Um universo equivalente a quase 10% do total coberto pelos planos de saúde no país.

À pesquisa a maioria dos entrevistados respondeu que os reajustes de preços desses planos equivalem a, no mínimo, duas a três vezes a inflação e alguns garantiram que já arcaram com aumentos seis ou sete vezes acima do IPCA.

“É como se a boca do jacaré não parasse de abrir”, diz o diretor de desenvolvimento de pessoas da ABRH Brasil, Luiz Edmundo Rosa. Segundo ele, o fórum reúne, por enquanto, 20 grandes grupos, entre os quais estão Itaú, Petrobras, Johnson & Johnson, Pirelli, Sherwin Williams e Natura.

Para Rosa, da ABRH, os empresários correm sérios riscos de não conseguir conter essa escalada de custos quando delegam a uma única pessoa a responsabilidade de gerir a segunda maior despesa da companhia. Mas muitos já se deram conta disso.

Desde outubro de 2016, a farmacêutica Biolab tem uma área interna criada pelas áreas de recursos humanos e financeira. Em parceria com uma consultoria, foram tomadas várias medidas. Uma delas consiste em fazer uma análise de todos os pedidos de procedimentos médicos e exames dos seus 6,9 mil funcionários. Às 6h da manhã, diariamente, a superintendente de RH, Luciana Lourenço, recebe uma lista dos pedidos que envolvem as principais especialidades, como ortopedia e cardiologia.

Na triagem, médicos que trabalham para a empresa podem ser acionados para dar uma segunda opinião. Mas, segundo Luciana, o sucesso desse tipo de ação depende da confiança do trabalhador na empresa. A Biolab fez parceria com o Serviço Social da Indústria (Sesi) para oferecer exames em clínicas ambulantes, que estacionam nos pátios das fábricas do grupo. E acompanha todas as internações.

Os resultados são gratificantes. Luciana acompanhou toda a recuperação do filho de um funcionário do Espírito Santo. O garoto ficou órfão depois de um acidente em que os pais morreram e ele ficou gravemente ferido. “No modelo antigo eu não conseguiria interferir; só saberia o que aconteceu quando recebesse o relatório do tempo que ele passou na UTI”, diz.

As grandes empresas têm trocado planos pré-pagos por pós-pagos, nos quais só se paga quando usa. “O risco de fazer essa troca sem, paralelamente, criar um programa de gestão é como deixar o carro sem seguro estacionado numa rua escura”, diz Luciana.

Com as duas ações, em um ano a Biolab reduziu os custos com plano de saúde em 30%. “Pagamos hoje, por beneficiado, o equivalente ao valor de três anos atrás”, diz o diretor financeiro, Alexandre Iglesias. “Se as empresas não assumirem essa gestão terão que arcar com uma despesa impagável”.

A preocupação dos empresários com os custos com planos de saúde não afeta apenas o Brasil. Conforme noticiado na edição de ontem do Valor, três gigantes americanas – Amazon, Berkshire Hathway e JP Morgan – uniram-se para criar uma empresa sem fins lucrativos para conter gastos com os planos de saúde de seus quase 1 milhão de funcionários.

Com 8,5 mil funcionários e 24 mil vidas, incluindo dependentes, a Bosch decidiu enxugar a estrutura de convênios ao perceber que o “crescimento desse custo estava desproporcional”, diz o diretor de Recursos Humanos, Fernando Tourinho. “Nada sobre 20% a 22% ao ano.” Também na Bosch, o custo com saúde representa a segunda maior despesa com pessoal. Há quatro anos, o número de operadoras foi reduzido de oito para três e a quantidade de planos caiu de 27 para sete.

Mas a ação que mais orgulha Tourinho foi a criação de um comitê interno que envolve gestores de RH, médicos internos e funcionários de outras áreas. Segundo o executivo, a ideia é fazer com a saúde o que um grupo de trabalho faria se tivesse que lançar um novo produto da Bosch. “Se sabemos desenvolver a inteligência artificial de um automóvel temos a obrigação de saber fazer o mesmo com a vida das nossas pessoas”, destaca.

Parcerias com consultorias, Sesi e um trabalho de revisão do cardápio das fábricas para oferecer alimentos mais saudáveis e reduzir o nível do sal também fazem parte da mudança de conceito sobre saúde na Bosch. Esse esforço ajudou a cortar custos. Mas Tourinho não revela números. Segundo ele, vale mais a qualidade atingida.

O presidente do Grupo Fleury, Carlos Marinelli, defende a integração entre as operadoras, planos de saúde e hospitais. “Não temos bala de prata para resolver os problemas. Este é um setor complexo e que tem incentivos cruzados, difíceis de serem resolvidos, principalmente por ser uma área muito politizada”, diz.

Nessa mudança de modelo, começa a mudar também o perfil do exame ocupacional. Os médicos que prestam esse serviço abriram o jogo e contaram à equipe da Bosch que no exame ocupacional eles não têm tempo de “ser médicos”. “Se um operário me diz que está com gastrite, não dá tempo de examiná-lo”, contou um deles. Para eliminar a parte das perguntas, a empresa implantou um software que leva ao médico o prontuário do funcionário antes de ele entrar na sala.

Já faz mais de oito anos que a prevenção entrou na agenda da General Electric . Com a ajuda de consultores, foi implementado um forte programa de combate ao tabagismo, sedentarismo e obesidade. Com convênios com seis operadoras, a empresa também trocou o plano pré-pago pelo pós-pago. A conduta mudou os hábitos de 33 mil vidas espalhadas pelo país, segundo a GE, que diz assistir, silenciosamente, à transformação nas pessoas e suas escolhas.

FONTE: Valor Econômico

Publicado em: Coad

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